Empoderando as nações

O culto cristão na pós-modernidade: parte 4 — Coaching, Sete Montes e Worship

Leonardo Cruz
44 min readJan 27, 2020
The Send, evento organizado pelo Dunamis Movement em Orlando, Flórida (RDC Miami)

Na terceira parte desta série, vimos como a ideia de Empreendedorismo da Fé deu origem a novos grupos dentro do evangelicalismo. Agora, veremos como estes grupos, divulgadores da adoração profética no Brasil e no mundo, provocaram uma revolução no culto da igreja contemporânea.

Nos últimos 15 anos, o crescimento frenético de igrejas ligadas à Nova Reforma Apostólica (NRA) e à Teologia da Prosperidade sofreu críticas de mais variadas frentes: desde as denominações tradicionais até mesmo entre os próprios neopentecostais — aqueles que afirmam herdarem o legado anterior da NRA, mas superarem os resultados da Teologia da Prosperidade por dar um passo rejeitado pelas antigas igrejas da NRA, o de “trazer o Céu para a Terra”¹. No Brasil, os dois principais grupos a criticarem o modelo da NRA dos anos 1990 são conhecidos como a Teologia do Coaching e Teologia dos Sete Montes.

Teologia do Coaching

“O coaching não é a solução. Jesus é a solução. O Coaching é o facilitador.” (Tiago Brunet)²

O grupo conhecido por Teologia do Coaching (TC) não se identifica assim. O termo surgiu de críticos, aparentemente a partir de um texto do Pedro Pamplona, de 2016. No entanto, a alcunha criada tem um fundo de verdade, uma vez que as lideranças evangélicas classificadas como integrantes da TC têm uma premissa comum: se a igreja quer ser relevante hoje, o Coaching é uma ferramenta indispensável para o sucesso ministerial. Nomes como os de Deive Leonardo, Victor Azevedo, Tiago Brunet e Felippe Valadão são referências usuais quando Coaching e Teologia aparecem na mesma frase.

Tiago Brunet (Foto: Youtube)

De todos estes, sem dúvida o nome que chama mais atenção é Tiago Brunet. Graduado em Teologia, Mestre em Coaching e Doutor em Business pela Florida Christian University — onde afirma que aprendeu “a definir visão, missão e valores para a igreja”³ — criou no Brasil o Clube de Inteligência e Desenvolvimento, no qual cursos orientados pelo Coaching são disponibilizados via streaming para “atualização ministerial”, além do ministério Casa de Destino, que realiza conferências e treinamentos para pastores e líderes, sendo estas duas instituições parte do Instituto Destiny, onde toda atividade central de gerenciamento e treinamento para igrejas e mercado empresarial ocorre. É interessante notar que nos sites das instituições criadas por Brunet não existe menção à data de fundação. Contudo, é possível estimar o início de suas atividades relacionadas à criação do Instituto Destiny em torno de 2014, momento em que ele inicia seu mestrado na Florida Christian University.

O interesse de Brunet em oferecer treinamento em Coaching para igrejas veio por duas razões. A primeira delas foi um momento de dificuldades financeiras, da qual conseguiu sair com o treinamento recebido nos cursos de Coaching. Em segundo lugar, já no período após o mestrado de Brunet, o Instituto Destiny realizou uma pesquisa com 700 igrejas evangélicas em todo o Brasil, revelando que apenas 14% dos fiéis disse frequentar a igreja por motivos e problemas espirituais, enquanto os outros 86% estariam numa igreja por motivos e problemas emocionais e financeiros. Segundo ele, perceber o despreparo dos pastores (precisamente, de 70% dos pastores do Brasil) para lidar com a situação o motivou a criar os treinamentos em Coaching e Inteligência Emocional — uma necessidade para hoje pois, ao que tudo indica, o modelo de uma autoridade espiritual centralizadora da NRA e da Teologia da Prosperidade faliu por gestões eclesiásticas tirânicas que feriram um número incontável de pessoas.

Propaganda de mentoria exclusiva com Tiago Brunet e Cash Luna. (Conferência Destino — 2017)

Por conta das atividades no Instituto Destiny, Tiago Brunet afirma que viajou o mundo e conheceu as igrejas mais relevantes do século 21. Ele conversou com suas lideranças, estudou a estrutura organizacional dessas igrejas e encontrou nelas um padrão natural que explicaria sua relevância: todas elas usam o Coaching para treinamento pessoal e coletivo de seus membros. A fim de conhecer mais a relação entre o Coaching e o Evangelho, Brunet buscou mentoria dos líderes dessas igrejas, que permanecem suas referências até hoje. Dentre os citados por ele, vale destacar o pastor Cash Luna (escalado para o The Send em Brasília), por sua trajetória se assemelhar a de diversos pastores que adotaram o Coaching.

Carlos Enrique Luna Arango é um pastor neopentecostal da Guatemala, país com maior população de evangélicos por km² da América Latina. Nascido em 1962, num lar católico, teria se convertido aos 20 anos. Luna foi um dos primeiros pastores televangelistas da Guatemala, transmitindo ao vivo diversas conferências de pregação, revelação e cura, muito similares ao que se experimentava no Brasil com os DVDs e vídeos do Congresso Gideões. Nos anos 2000, Luna teria aderido à Teologia da Prosperidade, o que não só aumentou sua audiência em virtude das promessas de riqueza, mas também sua própria riqueza — foi neste período que fundou a igreja Casa de Dios, em um templo com capacidade para 11 mil pessoas. Este feito garantiu a Luna uma frequência de cerca de 100 mil pessoas por semana em sua igreja, um jatinho particular e um canal de TV. O apelido “Cash” teria vindo, segundo o próprio, da dificuldade de pronunciar “Carlos” quando criança, embora hoje também esteja relacionado com seu rápido enriquecimento.

Entretanto, Cash Luna parece ter abandonado a Teologia da Prosperidade (ou, pelo menos, conforme ela era entendida nos anos 1990). Ao invés de suas pregações enfatizarem a recompensa divina por meio da entrega de dízimos e ofertas, Luna e outros pastores ao redor do mundo se uniram numa rede chamada Empowered 21: O objetivo desta coligação de pastores neopentecostais é, à luz de uma interpretação própria da História do Pentecostalismo, “empoderar pelo Espírito Santo” a geração de novos fiéis até 2033, a nível espiritual e social — incluindo o Coaching como ferramenta. Nomes famosos estão na lista de lideranças desta coligação, como Cesar Castellanos e Cindy Jacobs. Dentre os nomes ligados ao Coaching, além do próprio Luna, estão Jentezen Franklin, Bill Johnson, e Brian Houston. A Empowered 21 também possui laços com lideranças brasileiras, sendo as mais notáveis J. B. Carvalho, Josué Valandro Júnior e Téo Hayashi. Dos líderes estrangeiros da Empowered 21 divulgadores do Coaching, Cash Luna foi presença na Conferência Destino, organizada por Tiago Brunet, em 2017 e 2019 (inclusive para lançar publicações em português), e Jentezen Franklin já esteve no Brasil em 2018 e 2019 em conferências organizadas por J. B. Carvalho, além de ter livros publicados no Brasil desde 2013. Nas mesmas conferências marcadas pela presença de Luna e Franklin, também estavam Márcio Valadão, Felippe Valadão, Deive Leonardo, Victor Azevedo, Lucinho Barreto, e Claudio Duarte.

Aliança Evangelista Global da Empowered 21, com a presença de Téo Hayashi. Na foto, também estão presentes: (1) Daniel Kolenda, (2) Michael Koulianos, (3) Todd White, (4) Andy Byrd; escalados para o The Send.

A Bíblia e o Coaching

Tiago Brunet defende a existência do chamado Coaching Ministerial. Assim como o Coaching é aplicado especificamente a empresas, ele pode ser aplicado à realidade das igrejas. Deste modo ele define o conceito:

É um treinamento voltado para pastores e líderes interessados em conhecer os fundamentos, as estratégias e ferramentas do desenvolvimento pessoal e corporativo que finalmente lhe[s] permitirão alcançar seus objetivos ministeriais, seus objetivos como pastor, [ou] como líder, em prazos definidos e alinhados com seu propósito de vida e com seu chamado ministerial.

Brunet afirma que uma igreja relevante precisa de frutos, ou seja, demonstrar sinais de crescimento de membresia, das finanças e do espiritual: “Você nasceu para dar resultados, e precisa ser treinado para isso”¹⁰. E o Coaching, segundo ele, seria a ferramenta essencial para a obtenção de resultados nos dias de hoje.

Como conciliar as Escrituras e o Coaching? Brunet oferece uma interpretação da Bíblia que possibilita a coexistência de ambos. No texto bíblico, existiria uma distinção clara entre mandamento e instrução. Por exemplo, as tábuas da Lei, referidas no capítulo 20 de Êxodo, são claramente mandamentos, pois se tratam de princípios eternos, revelados pelo próprio Deus ao seu povo, dos quais todo aquele que deseja comunhão com Ele e alcançar a vida eterna necessitam cumprir. Todos os mandamentos são expressos de maneira clara e inquestionável na Bíblia, logo, não há desculpa para deixar de cumpri-los. Já o livro de Provérbios, por exemplo, trata de instruções, que seriam princípios racionais de aplicação da Palavra de Deus. Sua aplicação é totalmente individual, pois dependem da compreensão pessoal e análise do contexto de cada crente. Assim, cumprir os mandamentos garantiria a vida eterna, enquanto cumprir as instruções garante prosperidade neste mundo. Logo, apenas seguir os mandamentos não é suficiente para ser relevante. Nas palavras de Tiago Brunet:

As pessoas vão muito mais à igreja para colocar sua vida emocional e financeira em ordem do que a espiritual. Porque apesar da Eternidade ser nosso principal destino […] ainda temos uma vida aqui na Terra para viver. Ou seja, a Eternidade é o destino, mas a Terra é o processo, e precisamos passar bem por esse processo.¹¹

O Coaching, portanto, estaria relacionado às instruções. Por isso, para Brunet, o Coaching é uma possibilidade de ferramenta para aplicação das instruções bíblicas, uma vez que se trata de um método racional. Sendo assim, não seria possível uma “crítica teológica” ao Coaching, dado que não se trata de uma questão teológica ou espiritual, mas de uma ferramenta natural para a “atualização ministerial”. Tratando-se de uma abordagem natural para o aconselhamento cristão, o Coaching (e outros pontos naturais como “as paredes pretas” e o curto tempo de pregação) se tornam indispensáveis para a igreja hoje, por sua eficácia comprovada em pesquisa. Brunet defende categoricamente: “não é modinha — é Ciência”. Simplesmente seguir o padrão dos mandamentos (orar, louvar e pregar a Palavra de Deus) não garante sucesso na busca de resultados ministeriais, pelo risco de se ignorar as causas racionais/naturais da eficácia ministerial¹².

A questão da divulgação do Coaching para Tiago Brunet não é apenas a crença em um método. É possível dizer que ela também tem caráter missiológico — é por meio do Coaching que a igreja descobre e vive de acordo com seu propósito. Ele afirma: “Meus projetos só dão certo porque a minha fé está ativada e porque o Coaching é a metodologia que eu uso”. A confiança nos resultados obtidos pelo Coaching vem da experiência de superação de um momento de dificuldades econômicas: “O que me levantou na vida foi a Fé e o Coaching. Eu preciso espalhar esse segredo para que você também cresça”¹³. Divulgar o Coaching é dar um testemunho de fé.

Teologia dos Sete Montes

“Nós estamos sendo treinados para reinar.” (Téo Hayashi)¹⁴

Loren e Darlene Cunningham (Foto: JOCUM Brasil)

A Teologia dos Sete Montes (7M) tem relatos confusos sobre suas origens. Loren Cunningham, fundador da JOCUM, declara ter recebido uma visão de Deus em Agosto de 1975, sobre “o caminho para alcançar os Estados Unidos e as Nações”. Deus teria dito: “Você tem que enxergar como se fossem salas de aula ou lugares que já estavam lá, e entrar neles com as pessoas que já trabalhavam nessas áreas”. Cunningham chamou essas áreas de esferas, inspirado no texto de 2 Coríntios 10:13, em que Paulo diz:

Nós, porém, não nos gloriaremos além do limite adequado, mas limitaremos nosso orgulho à esfera de ação que Deus nos confiou, a qual alcança vocês inclusive. (NVI)¹⁵

Segundo Cunningham, existiriam sete esferas que Deus intencionava colocar a Igreja para governar, por serem lugares chave para “moldar uma cultura”. São elas: Família, Igreja (Religião), Educação, Mídia, Artes e Entretenimento, Economia, e Governo. Contudo, antes da revelação continuar, ele teria recebido uma ligação de um amigo, dizendo que Bill e Vonnette Bright, casal fundador da Cru¹⁶, estaria no Colorado no mesmo período em que Cunningham e sua esposa estariam passando suas férias. Um encontro entre Bright e Cunningham foi arranjado, e Bright teria contado sobre uma visão que recebera acerca de um novo planejamento missionário — e que seria idêntica à visão de Cunningham. Três semanas após o encontro, Darlene Cunningham teria visto Francis Schaeffer, fundador do L’Abri Fellowship, apresentar uma lista idêntica de sete esferas de atuação missionária em seu programa de TV, e contou ao seu marido Loren. Tendo convicção de que a ideia das esferas era algo “para o Corpo de Cristo”, Loren criou a Universidade das Nações em 1978, para capacitar missionários na atuação em cada uma dessas esferas¹⁷. Entretanto, até o momento de produção deste texto, não foram encontradas declarações de Bill Bright e Francis Schaeffer sobre “sete esferas”, e contamos apenas com o relato de Loren Cunningham.

É apenas nos anos 2000, aparentemente, que a ideia de “sete esferas da cultura” adquire características de um projeto teológico. Nomes como Cindy Jacobs, Lance Wallnau, Johnny Enlow e Bill Johnson se tornaram grandes divulgadores do que passou a ser considerado a Teologia dos Sete Montes. A partir de conferências organizadas ao final dos anos 1990 por Peter Wagner, criador da NRA, as “sete esferas da sociedade” passaram a ser vistas como lugares-chave de atuação dos novos apóstolos na Batalha Espiritual: estando estes “generais” reabilitados ao seu posto nesta batalha cósmica pela cultura, os cristãos logo estariam na liderança de cada uma dessas esferas, resultando numa transferência de recursos (principalmente econômicos) que permitiria aos cristãos transformarem o mundo ao seu redor¹⁸. Contudo, é somente com os seguidores de Wagner que se criam subsídios conceituais e exegéticos. Por exemplo, Johnny Enlow cita Apocalipse 17 como um capítulo chave:

Então o anjo me levou no Espírito para um deserto. Ali vi uma mulher montada numa besta vermelha, que estava coberta de nomes blasfemos e que tinha sete cabeças e dez chifres.

A mulher estava vestida de azul e vermelho, e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Segurava um cálice de ouro, cheio de coisas repugnantes e da impureza da sua prostituição. […] então o anjo me disse: “Por que você está admirado? Eu lhe explicarei o mistério dessa mulher e da besta sobre a qual ela está montada, que tem sete cabeças e dez chifres. […] aqui se requer mente sábia. As sete cabeças são sete colinas sobre as quais está sentada a mulher”. (Apocalipse 17: 3–4,7,9 — NVI)

Enlow defende que o apóstolo João afirma que a mulher, que representaria o espírito de Jezabel, está assentada sobre os sete montes da cultura, o que indicaria um plano de Satanás de dominação cultural anticristã para a perpetuação do pecado. Como resposta a esta estratégia satânica, Deus teria revelado ao profeta Isaías:

Nos últimos dias o monte do templo do Senhor será estabelecido como o principal; será elevado acima das colinas, e todas as nações correrão para ele.

Virão muitos povos e dirão: “Venham, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacó, para que ele nos ensine os seus caminhos, e assim andemos em suas veredas”. Pois, a lei sairá de Sião, de Jerusalém virá a palavra do Senhor. (Isaías 2:2–3 — NVI)

Johnny Enlow (Foto: Restore7.org)

A partir da profecia de Isaías, Enlow afirma que Deus quer que a igreja ocupe os espaços de predominância cultural, agora ocupados por forças demoníacas, e o profeta deixaria isso claro ao dizer que “Deus estabeleceria seu monte como o principal”. Enlow também diz que entender este chamado é urgente, pois a igreja por muito tempo “se preocupou apenas com a salvação de almas, e Deus não [nos] chamou para salvar almas, mas para mudar sistemas”¹⁹. Victor Azevedo acredita que esta é uma profecia que está se cumprindo no Brasil, pelo fato de que a igreja brasileira está sendo colocada “no mais alto lugar não só na espiritualidade (no sentido religioso), mas na política, na escola — gente de Deus em diversas áreas da sociedade”²⁰.

O clamor pelo retorno de servos de Deus ao topo de cada um dos montes da cultura vem da percepção que a 7M tem da Queda. Segundo Bill Johnson, Deus teria conferido a Adão e Eva a missão de dominar a Terra, expandindo o jardim por sua influência na Criação, e para isso o Criador teria concedido ao primeiro casal a capacidade de exercer este domínio de modo sobrenatural, uma vez que era imagem e semelhança do próprio Deus. Satanás, então, teria tentado Adão e Eva para que usassem erroneamente sua livre escolha e assim entregassem ao Diabo o domínio sobre toda a Criação. Daí vem a percepção de que forças diabólicas controlam espiritualmente as áreas chave que “moldam a cultura”. Johnson defende que somente quando lembramos da nossa identidade em Deus — a de que fomos criados à sua imagem e semelhança, perfeitos, e por isso Deus nos deu domínio sobre a Criação (Salmos 115:16) — é que vencemos o Diabo e começamos a influenciar o mundo²¹. Johnny Enlow, por sua vez, afirma que “na cruz, Jesus reconquistou a autoridade para estabelecer o governo de Deus sobre os sete pilares de todas as culturas, ou infraestruturas, de todas as nações da Terra”²². Por conta desta visão sobre Criação e Queda, que estão relacionadas ao esquecimento/distorção da identidade “perfeita e amada” do ser humano em Deus, Johnny Enlow defende que a doutrina do Pecado Original deve ser rejeitada, porque ela “ofusca a glória original da Criação” e impede que se perceba a identidade que Jesus busca resgatar em sua missão — no Sermão do Monte, por exemplo, Jesus teria restabelecido a Terra com seu valor bondoso intrínseco e dado aos cristãos a missão de “herdar a terra”, como também as instruções para “fazer o Céu vir à Terra”²³.

A Cultura Profética

A maneira pela qual se estabelece o governo de Deus na Terra é por meio do uso de tudo aquilo que Jesus reconquistou com sua autoridade. Ou, nos conceitos da 7M, apenas quando estamos alinhados com os Céus, destravamos nosso destino e propósito, e assim temos acesso e conhecimento à nossa identidade em Deus: que somos filhos amados do Pai, sua imagem e semelhança, criados de maneira perfeita para reinar em poder com ele — podendo ativar nossa fé e reinar de maneira sobrenatural aqui e agora. Todo este percurso é sintetizado na visão de Ministério Profético, especialmente em como ela é apresentado por Dan McCollam, Kris Vallotton e, mais uma vez, Bill Johnson.

Dan McCollam (Foto: WorshipU)

Dan McCollam, numa palestra na Bethel School of Prophets, afirmou que “profetizar não é um dom, é uma habilidade²⁴. Esta declaração é reforçada por Kris Vallotton, no livro Treinamento Básico Para o Ministério Profético, utilizado como material base da escola de ministério da Bethel Church, a Bethel School of Supernatural Ministries — BSSM, e outras escolas de ministério ao redor do mundo ligadas à Bethel Church²⁵. Vallotton afirma existir uma distinção entre ministério e ofício profético. O ministério profético é uma função que todo cristão pode ativar ou atuar nela, enquanto que o ofício é a vocação específica para exercício constante do profético — que seria o mais alto nível da profecia²⁶. De qualquer modo, a todo cristão é possível exercer o ministério profético, em algum nível (reconhece-se, também, a prioridade do exercício do profético pelas lideranças nas igrejas)²⁷. O ministério profético é importante porque

Deus está sempre falando conosco! O dom de profecia é o equipamento que precisamos para nos alinharmos com o reino espiritual que existe ao nosso redor, mesmo que não possamos ouvi-lo com nossos ouvidos nus. O dom de profecia é como um receptor de rádio do céu. Isso nos dá a capacidade de ouvir o que Deus tem falado conosco o tempo todo, mas não conseguimos perceber antes de recebermos esse presente maravilhoso²⁸.

Ser capaz de ouvir a voz de Deus a partir de um acesso direto e constante é essencial para “implantar o Reino de Deus” uma vez que se chega ao topo de cada um dos “montes culturais”, conforme diz a 7M. “Não estamos aqui para reproduzir o que vimos e ouvimos, mas para acessar o que olho não viu e ouvido não ouviu”, diz Dan McCollam. Ele continua: “Precisamos de um novo mindset que permita que o Reino de Deus se manifeste em uma expressão diferente”²⁹. Entretanto, profetas só conseguem eficácia se existir o trabalho para a criação de uma cultura profética. Sendo o ministério profético uma habilidade, existem exercícios para que cristãos sejam ativados profeticamente — a BSSM lista dez exercícios essenciais, que incluem desde drive-thru de oração até “presentes proféticos” e interpretação profética de tatuagens³⁰.

Quanto mais pessoas estiverem “se movendo no profético”, até mesmo aquelas que não são ativadas podem profetizar, como aconteceu com Saul (1 Samuel 10). Os exercícios de ativação profética devem ser repetidos e aprimorados, para que a cultura profética se mantenha e sejamos capazes de “buscar incessantemente o novo e o melhor de Deus”³¹. Por conta da necessidade de manter uma cultura profética, Cindy Jacobs comanda em sua organização um contingente de “generais de oração” para lutar as guerras espirituais e oferecer direcionamento profético em cada estado americano, e a IHOP-KC, a partir de uma visão particular da história da adoração e dos movimentos de oração, procura manter o ambiente profético 24 horas por dia em seus edifícios³².

Kris Vallotton (Foto: Awakening Europe)

Este alinhamento com o reino espiritual permite uma conexão tão íntima com Deus a ponto de capacitar o fiel a perceber mensagens divinas onde pessoas comuns não conseguem enxergar. Kris Vallotton dá o exemplo de quando Deus usa a própria natureza para realizar atos proféticos (como quando um papa-léguas na porta da Bethel Church era um sinal para iniciar um evangelismo nas estradas da Califórnia) ou até mesmo Deus usando as Escrituras fora de contexto³³. Essa espécie de sintonia fina com as mensagens do reino espiritual é importante para a 7M pois demonstra que a divisão entre uma esfera “sagrada” e outra “secular” é inexistente: tudo é espiritual. Assim, não existem mais desculpas para que a igreja negue sua participação em áreas importantes da sociedade — atitude que permitiu a dominação satânica da cultura por meio de elites culturais anticristãs³⁴. Bill Johnson resume toda a questão de receber poder para influenciar social e culturalmente da seguinte forma:

Nascemos para reinar — reinar sobre a criação e sobre as trevas — para saquear o inferno e estabelecer o reino de Jesus aonde quer que formos através da pregação do evangelho do Reino. Reino significa domínio. O propósito original de Deus foi que o homem reinasse sobre a criação. Agora que o pecado entrou no mundo, a criação foi contaminada pelas trevas, isto é, pela enfermidade, pela doença, pelos espíritos opressores, pela pobreza, pelas calamidades naturais, pela influência demoníaca, etc. O nosso reinado ainda é sobre a criação, mas agora nosso alvo principal é expor e desfazer as obras do diabo. Temos que dar aquilo que recebemos, para que tal propósito seja por fim alcançado (Mateus 10:8). Se verdadeiramente eu receber poder de um encontro com o Deus de poder, eu estarei capacitado para dá-lo. A invasão de Deus em situações impossíveis ocorre através daqueles que receberam poder do alto e que aprenderam a liberá-lo nas circunstâncias da vida³⁵.

Dessa forma, Bill Johnson torna claro o processo de surgimento da 7M. Em virtude de sua influência na interpretação de pontos centrais do Evangelho, as “sete áreas de influência” da visão de Loren Cunningham, que pareciam ser apenas um novo modelo de estruturação da ação missionária, se tornam a 7M a partir do momento em que os herdeiros da NRA constroem uma nova leitura da Criação, Queda e Redenção nas Escrituras.

As Redes Carismáticas Independentes

“Não existem condutas ou tradições a serem respeitadas.” (William Kay)³⁶

Na primeira parte desta série, já foi mencionado o crescimento de um novo modelo de igreja no século 21 — os carismáticos independentes. Contudo, as grandes igrejas carismáticas independentes ofereceram para o contexto atual um novo tipo de organização, que funciona numa estrutura em rede. Uma vez que igrejas que adotam a TC ou 7M aplicam este modelo e se identificam com ele, tais igrejas podem ser classificadas como Igrejas RCI — Redes Carismáticas Independentes.

Téo Hayashi, líder do Dunamis Movement, que tem por missão “entregar ferramentas práticas para implantar o Reino de Deus na sociedade”. (Foto: Wikipedia)

Christerson e Flory explicam o que significaria cada um destes elementos. Com o declínio das denominações tradicionais em termos de frequentadores, surge o elemento das igrejas independentes na busca pelo estabelecimento de comunidades que atraíssem pela imagem criada a partir de um “descolamento” de tradições e instituições antigas, ou seja, pela sua inovação, além de serem independentes entre si. Esta inovação estaria relacionada às características carismáticas, pois se parte da premissa de que o acesso irrestrito aos dons espirituais e manifestações sobrenaturais permite e legitima o rompimento de tradições antigas pelas novidades que o Espírito Santo traria à essas igrejas. O aspecto carismático também tem um sentido sociológico, uma vez que estas igrejas não são organizadas em torno de convenções, sínodos ou assembleias, mas exclusivamente em torno do carisma (no sentido weberiano) de um líder. E porque estas igrejas são independentes de estruturas burocráticas e institucionais antigas e se organizam ao redor de uma liderança carismática, surge a partir delas um modelo de organização em torno de redes apostólicas de influência e cooperação, que é um aspecto completamente inovador na História da Igreja³⁷.

O aspecto inovador da organização em redes está no desejo das lideranças das igrejas RCI de garantir uma certa “fluidez” na relação entre as igrejas que compõem suas redes. A premissa é de que enquanto tais lideranças sejam capazes de mobilizar igrejas distintas para cooperação em eventos e atividades de massa; e “influenciar” líderes e igrejas em ascensão, as diversas comunidades participantes dessas redes poderiam continuar mantendo suas lealdades teológicas e comunitárias. O objetivo destes eventos é fortalecer e ampliar essas redes de influência - como a Conferência Destino ou o The Send que são fundamentais na construção desses laços no Brasil. Em outras palavras, uma vez que os líderes RCI não planejam construir “mega-denominações” ou “filiais”, igrejas tradicionais poderiam até cooperar e serem influenciadas por práticas das RCI (o que incluiria até possíveis adesões à TC ou 7M) ao mesmo tempo que se identificam como assembleanos, batistas, presbiterianos, congregacionais, comunidades evangélicas, e por aí vai. O objetivo é influenciar os cristãos a trabalharem alinhados com o que Deus quer fazer hoje, atuando em cooperação em ambientes para fora de suas denominações, ao mesmo tempo que trazem o resultado desta cooperação para suas comunidades.

As redes apostólicas dirigidas pelos líderes RCI tem alcance global, o que se percebe pelo nome de cada uma delas: a Iris Global, dirigida por Heidi Baker, a Generals International, dirigida por Cindy Jacobs, a Global Awakening, dirigida por Randy Clark, e a Global Legacy, da Bethel Church — que tem no Brasil como ministérios filiados a Igreja Batista da Lagoinha em Belo Horizonte, A Comunidade Monte Sião em São Paulo e a Igreja Batista Atitude no Rio de Janeiro. No Brasil, o Ministério Casa de Destino é o exemplo mais palpável de uma aplicação deste modelo surgido com os líderes RCI nos Estados Unidos, pois a Casa de Destino se define como “um ministério, mas também é uma rede de informações e de conhecimento […] para alinhar a sua vida com o que os céus estão desenhando.”

A Casa de Destino se identifica como um “ministério” tanto como “rede” (networking)

A dependência das mídias

É preciso ressaltar que a crescente adoção de uma organização em redes não é invenção das igrejas RCI, muito menos que seus líderes intencionalmente adotaram este modelo para “corromper a ortodoxia” — suas atitudes são mais sintomas de mudanças estruturais na nossa sociedade que a causa delas. Temos de reconhecer, num exercício de autoanálise, que talvez nossa teologia interaja com elementos sociais e culturais ao nosso redor em um nível maior do que percebemos ou imaginamos.

Uma vez cientes disso, é possível investigar o que permitiu o surgimento das redes (networks) como modelos de organização — e como isto afeta a igreja. Sem dúvida, a Revolução Digital tem uma grande participação neste processo. Na segunda parte desta série, foi brevemente explorado o caminho percorrido para o estado atual, em termos de influência do digital no cotidiano: no início do século 20, as mídias (jornal, rádio, etc.) eram utilizadas como ferramentas por outras instituições sociais, ou seja, um meio para a transmissão da mensagem do Estado, da Igreja, de partidos políticos, e tantas outras organizações. Já no período após a Segunda Guerra Mundial, percebe-se um movimento de independência das mídias, que resultou na sua institucionalização, dando origem à Mídia — aquela que normalmente é alvo de críticas por não ser “imparcial” e por “manipular a população”. Por fim, com a Revolução Digital, o advento da internet e mídias digitais portáteis como o smartphone, a Mídia não é apenas um meio, e se tornou mais que uma instituição: a abrangência e intensidade do uso do digital fez com que a Mídia se tornasse um espaço com suas próprias regras, que parecem ultrapassar a fronteira entre o real e o digital com cada vez mais frequência — o que é chamado de midiatização³⁸.

Deste modo, a ideia de estar em rede enquanto na Internet teve seu impacto fora do digital. As múltiplas e aparentemente infinitas possibilidades de conexões com lugares e pessoas distintas, obtendo informação de diversas fontes em qualquer horário possível, criou um sentimento de que modelos antigos para alcance da informação deveriam ser superados por sua hierarquia e verticalidade limitadoras. Assim, o movimento que se iniciou na Indústria e no Mercado em prol da flexibilidade organizacional e de um modelo produtivo que abandonasse variações da linha de produção em favor de uma rede complexa de diversos atores produtivos que possam se combinar e recombinar em curto prazo acabou por alcançar a igreja. Se lembrarmos que na virada do milênio as igrejas RCI pretendiam ser dirigidas por Empreendedores da Fé, não é de se espantar que tenham buscado no Mercado novas linguagens e estruturas para organizar as igrejas no século 21³⁹.

A midiatização, porém, não tem apenas impacto sobre aquilo que é, de certo modo, perceptível — como a organização de uma empresa ou uma igreja, por exemplo. A Mídia enquanto uma instituição social provê recursos materiais e simbólicos para que indivíduos possam direcionar e redirecionar suas ações. Isto implica em dizer que, a medida em que cada vez mais as mídias (especialmente as mídias digitais) são utilizadas com intensidade maior, a sociedade se torna cada vez mais dependente das mídias e de suas lógicas, visto que a Mídia se torna mais integrada às instituições e relações sociais, a ponto de qualquer alteração na Mídia impactar a sociedade, e vice-versa⁴⁰.

Sabendo dessa capacidade da Mídia de afetar indivíduos tanto de maneira externa como interna, é interessante notar o quanto as igrejas RCI são dependentes das mídias digitais. Além do contexto social que atinge a todos nós hoje, a dependência das mídias digitais por parte dessas igrejas toma níveis estruturais, como já adiantamos no primeiro texto desta série: administração de perfis das igrejas em redes sociais (como também perfis de suas lideranças), transmissões ao vivo, conteúdo disponibilizado em streaming — sem sombra de dúvida as igrejas RCI procuram ditar o ritmo sobre o uso dessas mídias para a igreja hoje e no futuro⁴¹.

No entanto, essa permeabilidade do digital também impacta em como essas igrejas leem a Bíblia e constroem sua teologia. As mídias digitais permitiram que seus usuários se tornassem participantes na criação de conteúdo de maneira nunca antes vista. Deste modo, começou-se a perceber uma rejeição à ideia de apenas consumir informação e produtos, por conta do crescimento das mídias interativas, surgindo então um apelo para que se abra mais espaço para a participação na criação dos produtos, o que é perceptível de várias formas — desde o box para comentários ao final de um site de vendas à grandes empresas que acompanham o feedback em redes sociais sobre seus produtos. No que tange à igreja, os modelos tradicionais da teologia e do culto ganharam cada vez mais rejeição, exatamente por serem percebidos como elementos fechados à participação ampla de seus frequentadores⁴². A inserção do uso de mídias interativas nas estruturas eclesiásticas permitiu o surgimento de uma pluralidade de vozes além do controle das estruturas tradicionais, o que abriu margem para o aparecimento de práticas que buscam romper com a teologia e culto tradicionais⁴³. Além disso, o acesso a serviços de streaming diversos como Spotify, Netflix, Google Play, iTunes e outros criou uma percepção acerca da sociedade e do tempo em que “tudo que importa está ou estará disponível no presente”⁴⁴. Tudo isto aponta que as novas práticas religiosas seguem em direção à “personalização da religiosidade”⁴⁵, em que o uso massivo de mídias interativas impulsiona a mensagem de “busca pela autoexpressão da pós-modernidade”, levando a religião a tornar-se “mais orientada para o entretenimento e o consumidor, e a experiência religiosa é geralmente mais individualizada […] amplificando o sentimentalismo visando formas subjetivas e imateriais”⁴⁶. Todo este movimento é encontrado no padrão de culto utilizado pelos defensores da TC e 7M — a adoração espontânea.

A Adoração Espontânea

“A música por sua própria natureza é profética: ela abre portas para realidades invisíveis.” (Brian Johnson)⁴⁷

A busca pela autoexpressão (ou autenticidade) não é o que a adoração espontânea traz de inovador. Ela já estava presente no surgimento dos neo-carismáticos e na adoração extravagante. A grande diferença está em como essa busca é conceituada.

Em primeiro lugar, parte-se da mesma premissa da adoração extravagante: a música tem importância primordial no culto. Bill Johnson afirma que “a adoração deve ser a nossa maior prioridade no ministério”, uma vez que Deus “habita no meio dos louvores. […] E Deus responde literalmente com uma invasão do céu na terra através da adoração do crente”⁴⁸. Tiago Brunet defende que “em toda igreja relevante, a parte musical é mais importante que a parte da Palavra”, pois a “adoração tem um poder” que é capaz de tocar corpo, alma e espírito ao mesmo tempo. Brunet acrescenta um argumento pragmático, ao dizer que a música merece maior atenção pois “nas mídias sociais, um músico tem mais seguidores que um pregador”, e finaliza dizendo que “a música atrai, a música consolida, a música cria os gatilhos mentais positivos nas pessoas, a música liberta as emoções e toca o espírito”⁴⁹. Comparando com as perspectivas tradicionais de culto, a música ocuparia o lugar dos sacramentos na comunicação com o divino.

Visto que a música tem este potencial gigantesco de ser um veículo da ação de Deus na igreja e pela igreja, o problema a ser resolvido é como usufruir deste potencial. É aqui que retornamos ao questionamento feito ao movimento da adoração extravagante: dado o potencial sobrenatural que a adoração teria, como saber se aquilo que era experimentado nos cultos era realmente a ação palpável do Espírito Santo ou apenas um êxtase coletivo? Para responder esta pergunta e manter o legado da adoração extravagante, surgiu a divisão conceitual entre adoração espontânea e adoração profética. Para isso, é comumente usado como referência o texto de Efésios 5:18–19, que diz

Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito, falando entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor. (NVI)

A expressão cânticos espirituais tem papel importante na compreensão das diferenças entre a adoração espontânea e profética. O momento de culto começa com a adoração que sai dos músicos e da igreja por meio de “salmos e hinos”, ou seja, uma adoração planejada. Esta adoração seria espontânea pois tem origem na livre vontade do crente de expressar seu amor e gratidão por Deus. No entanto, existe um momento em que este momento de adoração espontânea se torna tão grande que ela faz com que Deus se manifeste de maneira completamente inusitada⁵⁰. De acordo com Brian Johnson, quando isto acontece “nós mudamos a atmosfera, trazemos a atmosfera de Deus para invadir a atmosfera mundana”⁵¹. A partir de então, se inicia o momento profético, no qual aqueles que estão imersos nesta nova atmosfera realizam atos de adoração e louvor que não teriam origem em si mesmos, podendo dar origem a músicas, melodias e gestos nunca antes experimentados — e porque o espontâneo leva ao profético, muitas vezes os termos são usados como sinônimos. Quando esta “erupção de louvor e adoração a Deus” que é a adoração profética acontece, encontramos a “ponte entre o espontâneo e o profético, entre o que é nosso e o que é de Deus”, e assim é possível aos músicos “liberar as palavras e bênçãos de Deus” de modo simultâneo, uma vez que tudo que ocorreria na atmosfera profética, se “recebido por pessoas proféticas”, é a mensagem de Deus⁵².

É aqui que se percebe a diferença entre a adoração extravagante e a espontânea. Na adoração extravagante, todo o esforço de romper com os padrões tradicionais de culto para que este pudesse parecer um show girava em torno da ideia de causa e efeito: Deus age de modo mais perceptível quando nos mostramos mais gratos e dependentes dele, e o culto tradicional parecia impedir a demonstração da devoção pessoal. Deus está presente no culto, mas ele precisa ser tocado para agir. Assumiu-se a premissa de que a performance era indicativo do tamanho da fé pessoal, e assim, a igreja passou a parecer uma casa de show porque se Deus fez tudo por nós, ele merece o melhor — e o melhor estava no showbiz. Quanto mais performance, mais Deus oferecia. Entretanto, aquilo que Deus oferecia ao seu povo era único, no sentido de que as bênçãos ou mensagens direcionadas a cada fiel presente no culto derivaria de uma mensagem geral, mais ampla. Como mencionamos antes, é similar à mecânica do shopping, dos combos, ou das promoções de Black Friday: existe uma quantidade de produtos oferecidos por uma loja, você adquire tudo no pacote, mas usa apenas alguns.

Na adoração espontânea, a maneira como Deus se manifesta é sutilmente distinta. Ao contrário da adoração extravagante, Deus parece não estar presente no culto. Para que ele se manifeste, é preciso criar uma atmosfera. Na adoração extravagante, este momento era o do “encharcar-se” [get soaked] do Espírito (a tal da “chapação”), e era apenas uma analogia para explicar a “extravagância”, que era concomitante ao próprio culto em si. Agora, com a adoração espontânea, uma vez criada a “atmosfera profética” tudo que é possível que Deus faça pode acontecer, ou seja, todas as coisas estão acessíveis ao fiel, especialmente a nível individual, numa experiência personalizada. O que o crente precisa fazer é ativar o que já está disponível — de acordo com suas necessidades, e com possibilidades infindas de ressignificação e recombinação. Para isso, a adoração espontânea conceituou teologicamente o caminho para a “chapação”, que é aplicado nas repetições sucessivas de versos cantados em músicas de ênfase marcadamente sentimentalista e sensorial.

A música “Aqui Como No Céu” sintetiza a transição da adoração espontânea para a profética em seu primeiro verso, quando diz: “A atmosfera já mudou/ Teu Espírito está aqui/ As evidências surgirão”.

No momento de adoração profética, literalmente tudo que é experimentado é a mensagem de Deus. Os movimentos da dança profética, as cores da arte profética, até mesmo o sermão pode ter significados distintos dependendo de quem ouve. Por exemplo, quando Dan McCollam foi apresentado antes de sua palestra sobre ativação profética na Bethel Church, foi pedido ao público que se preparasse espiritualmente porque, à medida em que McCollam palestrasse, “algumas coisas são liberadas por meio de palavras, mas se o foco estiver estritamente nas palavras, pode-se perder a revelação do Espírito que é liberada simultaneamente por trás das palavras”⁵³. E para perceber esta mensagem espiritual subjacente, é preciso ativar, destravar, atualizar-se profeticamente — e aqui se percebe a influência da linguagem do streaming e das mídias digitais inserida na adoração espontânea.

A atmosfera profética não está restrita apenas ao momento de culto. É necessário que o fiel esteja ativado profeticamente o tempo inteiro, como vimos na apresentação da 7M. E para isso, a manutenção da atmosfera profética por meio da música é essencial, porque a manifestação profética alcança dimensões públicas e sociais, que envolvem desde intervenções nas localidades próximas às igrejas à propostas como as da IHOP-KC, de manutenção da atmosfera profética 24 horas por dia visando “mudar a atmosfera de cidades e regiões inteiras” a instruções proféticas serem conferidas aos líderes e autoridades espirituais para pessoas em posições de liderança na sociedade⁵⁴. É nesta perspectiva que grandes eventos, como o The Send, procuram reunir as lideranças de igrejas RCI e são estruturadas em torno da adoração espontânea: o objetivo é uma “mudança de atmosfera” em massa que, “num momento de virada”, impulsione as pessoas para ação missionária e transformação social. Nas palavras de Lou Engle, um dos idealizadores do The Send, “tem um avivamento acontecendo [no Brasil]. Ativem esse avivamento!”⁵⁵.

Propaganda do The Send e a ideia de “empoderamento do Espírito Santo” para uma “virada histórica” que leverá à transformação social.

Existe um futuro pós-Worship?

“Certamente, sem sombra de dúvida, a igreja evangélica […] espelha a cultura do capitalismo tardio” (James K. A. Smith)⁵⁶

Com o discurso das igrejas RCI sobre “trazer o Céu para a Terra”, é de se imaginar que suas lideranças tenham pretensão de se tornarem referência para “transformação social e espiritual” no longo prazo. Tiago Brunet diz que “a igreja é a única esperança para este mundo”, e para que ela seja percebida como tal hoje e no futuro, “o desafio da igreja é ser mais interessante que as coisas que estão lá fora”⁵⁷. Johnny Enlow vai além, e afirma que “a ideia de que Cristo voltará a qualquer momento é uma mensagem satânica”, pois impediria aos cristãos um engajamento na transformação social nos sete montes da cultura pela expectativa do retorno iminente de Jesus — que já foi prometido para tantos outros tempos no passado e não ocorreu. Assim, Enlow defende que a igreja deveria planejar uma estratégia de transformação social em massa para implantação do Reino de Deus até, pelo menos, 2050⁵⁸.

Apesar do planejamento a longo prazo, existem elementos no discurso e nas práticas das igrejas RCI que se revelam como entraves para a realização dessas metas. Em um nível mais prático, perceptível àqueles que atentam para os frequentadores das igrejas RCI, é notável o quanto este tipo de igreja tem um público majoritariamente jovem. A mensagem de inovação presente na identidade da igreja, o uso do que há de mais recente das mídias digitais no culto e na comunicação, e a ênfase de um culto personalizado acaba atraindo jovens pelo aspecto vanguardista do modelo. Contudo, à medida em que este público envelhece e gasta mais energia com emprego, família e outras atividades fora da igreja, existe uma tendência (geralmente após os 30 anos de idade) de evasão na busca por estruturas mais tradicionais e “rotinizadas”, por conta de estabilidade doutrinária e estrutural, já que não se dispõe mais da mesma energia e tempo para corresponder ao padrão das igrejas RCI, que exige inovação constante. A exceção a esta regra está naqueles que fazem parte das equipes de liderança e voluntariado nas igrejas RCI, assim como aqueles que conseguiram criar laços pessoais com componentes destas equipes⁵⁹.

Uma outra consequência a nível local está na construção da identidade dessas igrejas. Além das ênfases na inovação e personalização contribuírem para evasão de um número considerável de frequentadores, a falta destes elementos diminui a adesão de novas pessoas. Ou seja, numa eventual rotinização destas igrejas, a imagem vanguardista perderia seu impacto — e a nível de experiência comunitária, isso significaria que não haveria mais um “renovo espiritual” nas igrejas. Em termos práticos, se não há inovação na busca por novas manifestações do Espírito, o perigo de cair na rotina pode significar o fim destes ministérios, pela incapacidade de atrair novas gerações. Para a sobrevivência ministerial, “ir na igreja aos domingos” precisa “parecer com uma conferência de fim de semana”. Assim, uma saída é a organização de megaeventos e conferências com músicos e líderes famosos (como as já citadas Conferência Global, Conferência Destino e The Send), pois além da perspectiva teológica de “grandes ativações proféticas”, os eventos atraem pessoas, recursos e aumentam o networking⁶⁰. Isto se traduz na afirmação de Tiago Brunet em que na liderança de uma igreja, é necessário que exista “pelo menos um pastor empreendedor, responsável pela inovação, pelo marketing e pelo networking”⁶¹.

Line-up do The Send em Brasília: a quantidade de líderes ligados ao modelo RCI mostra a extensão do networking criado por Téo Hayashi no Dunamis.

O aspecto personalizado da teologia e culto das igrejas RCI não impacta somente as comunidades que adotam este modelo. Visto que seu propósito é influenciar outras igrejas a adotar visão de discipulado oferecida pela TC, o culto oferecido pelo Worship e uma cosmovisão oferecida pelos 7M, existem consequências a nível institucional e intelectual que possivelmente alcançarão aqueles que se identificam com este padrão mas frequentam outras igrejas, como também para aqueles que se identificam com igrejas mais tradicionais.

Em primeiro lugar, a ênfase personalizada leva a teologia e o culto a uma dimensão experimental da fé cristã. Para que cristãos possam ativar/atualizar/destravar seus poderes sobrenaturais proféticos, existe um estímulo a tentativas de novas aproximações com o sagrado, especialmente nos momentos de adoração profética. Se tudo que ocorre no momento em que Deus se manifesta na atmosfera de adoração criada é de fato mensagem e ação divina, abre-se espaço para que elementos inimagináveis para a rotina e identidade de igrejas tradicionais façam parte do “alinhamento para o que Deus quer fazer agora”. Por exemplo, além da compreensão de que até os movimentos de um grupo de dança trariam uma mensagem espiritual subjacente, e dos exercícios de ativação profética que já mencionamos neste texto, podemos incluir as Destiny Cards da Bethel Church — cartas com figuras para “interpretação profética” que foram criticadas por parecer um “tarô gospel” — ou o “evangelismo profético” da Caça ao Tesouro, prática da Bethel Church aplicada pelo Dunamis Movement.

É interessante notar que isto parte da visão de que os dons sobrenaturais descritos na Bíblia estão plenamente disponíveis, e que Deus poderia também usar a Bíblia fora de contexto para trazer novas práticas e ideias para igreja. Dentro do campo daqueles que defendem a continuidade dos dons espirituais, é um rompimento com a visão tradicional do pentecostalismo, em que os dons são concedidos de maneira claramente delimitada pelas Escrituras, que também definiria que experiências são legítimas teologicamente ou não. É também um rompimento com grande parte do neopentecostalismo, uma vez que as autoridades espirituais não seriam mais fonte da última palavra sobre o direcionamento espiritual dos crentes, já que Deus fala de modo personalizada a cada um, e ele pode ser “acessado” por vários meios além daqueles estabelecidos por lideranças neopentecostais⁶². Em outras palavras, para uma geração que trocou o grito de “glória a Deus!” e os brados de vitória pelo “uau!”, parece que experimentamos os primeiros sinais de um pós-pentecostalismo.

Em segundo lugar, a ideia de um “cristianismo experimental” terá um impacto teológico que poderá ser sentido pelo cristianismo a nível global. Uma vez que o modelo das igrejas RCI tende a valorizar a ideia de autoexpressão presente no discurso contemporâneo (que é transposto às igrejas em virtude do uso acrítico de mídias no culto), existe uma tendência a cada crente “centrar-se em si mesmo”, vivendo o cristianismo de modo tão individualizado que “achatam e estreitam” o mundo de significados ao seu redor, “tornando-o mais pobre”⁶³. Isto é verificável quando se atenta para um desvinculamento intencional com o passado da História da Igreja por parte dos líderes da TC e 7M. Embora, por exemplo, no currículo da BSSM se afirme um vínculo às demais tradições cristãs, o material escolhido pela escola de ministério da Bethel para o estudo da disciplina de Fundamentos da Teologia na História da Igreja é o livro Os Generais de Deus, de Roberts Liardon, que reúne biografias de avivalistas do século 19 — todos com uma perspectiva de que a História da Igreja havia sido corrompida, em maior ou menor grau, do período do fim dos apóstolos até os seus dias, e que Deus vocacionou estes avivalistas para uma restauração à igreja primitiva. Além disso, Liardon parece trazer uma interpretação histórica à luz das ideias da Nova Reforma Apostólica, visto que enxerga os avivalistas como “generais espirituais” que procuraram “mudar suas gerações”⁶⁴. Tiago Brunet parece ir mais longe, ao afirmar que, para uma igreja ser relevante, “devemos deixar o passado no passado”⁶⁵.

Uma das consequências desse desvinculamento intencional da História da Igreja é o surgimento de novas tendências teológicas, o que já vimos como também fruto da ênfase na inovação e no aspecto experimental do culto. A questão é que perceber a perspectiva de História da Igreja articulada pelas igrejas RCI revela outra incongruência entre seu discurso e suas pretensões: é impossível planejar a longo prazo uma influência do modelo RCI sobre outras igrejas quando se nega a validade da história de outros ramos do cristianismo e da trajetória das igrejas RCI em si. Isto ocorre porque ao negar este passado — que é uma tendência entre movimentos evangélicos mais “independentes” — acaba-se idealizando o período da igreja narrado no Novo Testamento, o que resulta numa percepção em que as práticas realizadas hoje são uma evolução natural da igreja de Atos, ou até mesmo uma cópia exata delas⁶⁶, na premissa de que a forma mudaria, mas o conteúdo permaneceria o mesmo. Entretanto, a busca frenética por uma identidade desvinculada do passado cristão (e, portanto, autêntica) ignora o fato de que algo só é caracterizado legitimamente como inovador ou autêntico a partir de uma comparação com um “pano de fundo” maior⁶⁷. E pela negação intencional do aspecto histórico do desenvolvimento da teologia e do culto cristão, o que legitima a identidade e a autenticidade destas igrejas não é a coerência com a Ortodoxia. Se o “pano de fundo” conceitual destas igrejas não vem de uma abordagem teológica abrangente e criteriosa da História da Igreja, ela tem outra origem. Sendo assim, a expansão do modelo RCI é legitimado por elementos oriundos de fora do cristianismo, o que implica em afirmar que estas igrejas provavelmente estejam usando, por assim dizer, tempero cristão em receita pagã. O que também leva à conclusão de que se o objetivo do modelo RCI era a “influência do Reino de Deus”, o fato de que seu pano de fundo conceitual rompe com estruturas fundamentais do cristianismo pode significar, de maneira contraditória, uma futura ruína das pouquíssimas conexões com estruturas históricas da teologia cristã e da pregação do Evangelho, à medida que as igrejas RCI crescem e tentam ser mais influentes.

Terceiro, é possível perceber esta consequência também na visão de transformação social defendida no modelo RCI. Existe uma intenção clara de romper com resíduos fundamentalistas que manteriam os evangélicos distantes das lutas pela transformação social, pois estes resíduos restringem a igreja a focar “apenas em ganhar almas perdidas para Cristo”⁶⁸. Johnny Enlow afirma que Satanás coloca um espírito maligno na esfera da religião para manter a igreja ocupada apenas com evangelismo e discussões teológicas, e assim, o Diabo pode dominar as 7 esferas da cultura⁶⁹. No entanto, apesar da tentativa de superar o fundamentalismo, mantém-se uma das premissas deste movimento, que é a percepção de teologia e instituições apenas como um mal necessário⁷⁰ — elemento reforçado pela espiritualidade experimental das igrejas RCI. Aqui, a negação de vínculos mais amplos com a História da Igreja implica em rejeitar as reflexões de cristãos do passado sobre política, cultura e sociedade, como também resulta numa base debilitada de elementos genuinamente cristãos para transformação social no longo prazo. Se lembrarmos do fato de que Deus falaria de modo “direto e inovador” com pessoas “ativadas profeticamente” no topo de cada um dos 7 montes da cultura sobre as estratégias políticas do momento, o próprio discurso dos líderes RCI apresenta empecilhos para qualquer elaboração de agenda política mais ampla, visto que a estratégia para transformação social é apenas chegar nos lugares de influência: de lá, Deus direcionaria cada um do seu jeito⁷¹.

Além disso a negação do passado cristão quanto à relação entre Evangelho e política, sociedade e cultura acarreta a adoção de outro “pano de fundo” para legitimar a perspectiva social das igrejas RCI. E aqui, se percebem outras duas continuidades com o fundamentalismo: a assimilação dos padrões da classe média americana com o Evangelho e a agenda proibicionista⁷². Sobre a assimilação da cultura americana, podemos citar Loren Cunningham, que quando perguntado sobre o propósito dos 7M, afirma que uma das metas é corrigir “a mudança de cosmovisão que ocorreu no Ocidente”, que é “o abandono da cosmovisão bíblica, com a qual eu fui criado: a cosmovisão da América, e da Europa”⁷³. Também Téo Hayashi, depois de dizer que “não sou de esquerda, nem de direita, sou a favor da cosmovisão bíblica”, afirma que cristãos devem “lutar contra o Estado grande da esquerda” e defender “um livre mercado internacional”⁷⁴. Quanto ao proibicionismo, vemos Eduardo Nunes pensar em “como seria o Brasil hoje com o Reino de Deus varrendo das faculdades toda ideologia marxista, toda ideologia satânica, tudo que vai contra a família: tudo que vai contra o coração de Jesus”⁷⁵. Téo Hayashi e Henrique Krigner mencionam “o perigo de visões antibíblicas” que precisam ser eliminadas, “especialmente no caso do aborto e do casamento gay”. Para tanto, são necessários “professores universitários com cosmovisão bíblica para implementar o Reino de Deus de cima para baixo”⁷⁶ — o que esclarece os motivos das afinidades políticas que levaram à “militância profética” por Donald Trump e Jair Bolsonaro, por exemplo⁷⁷. Deste modo, a imagem inovadora que as igrejas RCI tentam transmitir, especialmente pelo discurso dos 7M, se revela um contrassenso, pois não atingem o objetivo de romper com resquícios do fundamentalismo que estão presentes em sua perspectiva de transformação social: a assimilação de uma cultura e ideologia específica com o Evangelho e a natureza essencialmente reativa da ação política evangélica, em virtude do foco restrito à proibição de elementos culturais e intelectuais vistos como impedimentos sociais e espirituais ao projeto da 7M.

Apesar disso, ainda é possível “reter o que é bom” (1 Tessalonicenses 5:21). O que modelo RCI tenta oferecer são respostas a questões relevantes para o cristianismo hoje através do discurso da TC, da visão social da 7M e do culto Worship. Embora sejamos críticos das respostas oferecidas, não se pode negar que elas nos indicam as demandas que as motivaram e indícios de que caminho percorrer para respondê-las melhor. Acredito que existam, pelo menos, três necessidades fundamentais:

  1. A utilização intensa de mídias digitais e recursos visuais durante o culto revela uma crescente necessidade estética a ser suprida pelas igrejas hoje. O que o movimento da adoração espontânea traz de interessante, especialmente a partir do conceito de “criar uma atmosfera profética”, é que o ambiente e a estrutura do culto precisam estar, de algum modo, relacionados com a experiência espiritual, e prepará-la para isso. Espera-se uma certa ressonância entre o ambiente de culto e a devoção pessoal. Sendo assim, é possível dizer que o problema das igrejas RCI não é exatamente o Worship enquanto um gênero musical, que tem seu potencial neste projeto de “preparação devocional”, mas o Worship enquanto uma teologia da adoração.
  2. Além de uma igreja que planeje seu ambiente para preparar o fiel na sua experiência espiritual, existe a demanda de que esta preparação se estenda para além do culto em si. A igreja precisa preparar o cristão para todas as esferas da vida. Neste sentido, a ponte entre a TC e a 7M revela um caminho interessante — a tentativa de suprir a carência de direcionamento para que um cristão possa desenvolver todo seu potencial vocacional em nas diversas áreas de sua vida, por meio daquilo que é experimentado no culto. Neste sentido, a 7M também tem seus méritos na tentativa de oferecer uma visão social mais complexa que o padrão recente do evangelicalismo (por exemplo, quando afirma que “sagrado e secular” não são as coisas em si, mas o modo como interagimos com o mundo). Reconhecemos, contudo, que o “pano de fundo” deste direcionamento não é encontrado em elementos sólidos da teologia cristã.
  3. Por fim, este movimento em que a experiência do culto precisa ser aplicada e expandida fora dele revela uma percepção de que a espiritualidade cristã precisa ser a base da vida em sociedade. Pela percepção das igrejas RCI de que teologia, debates intelectuais e conflitos institucionais são um mal necessário e até obra do Diabo, estas igrejas procuram estabelecer na experiência de culto e nas práticas devocionais fora da igreja a base para mobilizar cristãos para a transformação social. Esta característica das igrejas RCI pode revelar uma certa carência de conexão entre vida cristã e sociedade em igrejas mais tradicionais, e até uma certa ineficiência em traduzir teologia sólida sobre cristianismo, espiritualidade e sociedade para o público comum.

Acredito que uma resposta à altura do desafio que as igrejas RCI colocam para igrejas mais tradicionais está na capacidade de não somente criticar o modelo RCI a partir de características mais superficiais do movimento, mas sim numa análise de suas origens históricas e sociais, e na capacidade de responder à cada uma dessas demandas. Entretanto, é necessário também reconhecer que existe a possibilidade de, ao tentar fugir da assimilação de aspectos da cultura pós-moderna realizada pelo modelo RCI, acabar caindo numa incorporação de outros valores culturais de origem não cristã. Sendo assim, creio que só é possível construir uma resposta saudável a este desafio contemporâneo considerando uma característica que as igrejas RCI insistem em negar: um engajamento abrangente e crítico com o passado cristão.

Na última parte desta série, conheceremos aqueles que, em meio a pós-modernidade e clamores constantes por inovação, decidiram “perguntar pelos caminhos antigos” (Jeremias 6:16).

Notas

1^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. Oxford University Press: 2017, p. 2.

2^ Tiago Brunet: O Padrão. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

3^ Tiago Brunet: O Problema. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

4^ Tiago Brunet em Foco. FCU News, 30 de Janeiro de 2019.

5^ Tiago Brunet: O Problema. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

6^ Tiago Brunet: O Padrão. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019. Outros citados como referência são: Bill Hybels, Bill Johnson, Brian Houston, Dale Bronner, Joel Osteen, John C. Maxwell, Steve Furtick, e T. D. Jakes.

7^ Esta história, o impacto de Cash Luna na Guatemala e acusações de corrupção são mostradas em Pastor Cash Luna: Guatemala’s richest pastor & God’s giant carrots. Em: BBC Stories, 20 de Janeiro de 2018; Parker Asmann: ‘Cash Luna’ Corruption Case May Reveal Guatemala Nexus of Drugs and Religion. Em: Insight Crime, 10 de Dezembro de 2018; Quien es Cash Luna: El Pastor Evangelico vinculado al narcotrafico?. Em: El Heraldo, 5 de Dezembro de 2018; ‘Cash’ Luna, el pastor evangélico investigado por narcotráfico. Em: El Tiempo, 4 de Dezembro de 2018.

8^ A História do Pentecostalismo é revista em virtude dos objetivos da rede Empowered 21 hoje. Uma crítica à essa revisão ampliaria demais o escopo dessa pesquisa.

9^ Tiago Brunet: O Coaching Ministerial. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

10^ Tiago Brunet: O Padrão. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

11^ Tiago Brunet: O Problema. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny. Outubro 2019.

12^ Tiago Brunet: 15 Pontos. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

13^ Tiago Brunet: O Padrão. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

14^ Téo Hayashi, Victor Azevedo e Eduardo Nunes: Como Trazer o Céu para Terra?. Em: Dunamis Hangouts. Junho de 2019.

15^ No relato original, a versão referida é a New American Standard Bible (NASB).

16^ Antes conhecida como Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo (no inglês, Campus Crusade for Christ).

17^ Os Hillman e Kelle Hughes: Transcript of Interview of Loren Cunningham on Original 7 Mountains Vision. 19 de Novembro de 2007.

18^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 31.

19^ Johnny Enlow: O Deus do Arco-Íris. Em: Conferência Voz de Sião, 26 de Outubro de 2018.

20^ Téo Hayashi, Victor Azevedo e Eduardo Nunes: Como Trazer o Céu para Terra? Em: Dunamis Hangouts. Junho de 2019.

21^ Bill Johnson: Quando o Céu Invade a Terra — Um Guia Prático para uma Vida de Milagres. Editora MCI, 2003. p. 28–29.

22^ Johnny Enlow: The Seven Mountain Prophecy — Unveiling the Coming Elijah Revolution. Creation House, 2008. p. 8.

23^ Johnny Enlow: O Deus do Arco-Íris. Em: Conferência Voz de Sião, 26 de Outubro de 2018.

24^ Dan McCollam: Bethel School of Prophets — Session 2. 7 de Agosto de 2018. McCollam é autor dos livros Comunidade Profética e Manuel Para a Ativação Profética.

25^ BSSM: Course Syllabus.

26^ Kris Vallotton: Basic Training for the Prophetic Ministry — A Call to Spiritual Warfare (Manual). Destiny Image, 2007. p. 20. Sendo a edição ampliada de 2014, foi escolhida para análise a primeira edição, pelo maior tempo de circulação nos EUA e no Brasil, como também para não estender em muito o escopo desta pesquisa.

27^ Bill Johnson: Activating the Prophetic. 19 de Julho de 2018.

28^ Kris Vallotton: Basic Training for the Prophetic Ministry. p. 25.

29^ Dan McCollam: Bethel School of Prophets — Session 2. 7 de Agosto de 2018.

30^ BSSM: 10 Ways to be Activated in the Prophetic.

31^ Dan McCollam: Bethel School of Prophets — Session 2. 7 de Agosto de 2018.

32^ O site da IHOP-KC oferece um esboço histórico que abrange desde o templo de Davi até movimentos de oração no século 20. Uma crítica à essa revisão ampliaria demais o escopo dessa pesquisa.

33^ Kris Vallotton: Basic Training for the Prophetic Ministry. p. 37–38.

34^ André Tanaka, Davi Chaves, e Alessandra Monteiro: As 7 Esferas da Sociedade. Em: Dunamis Hangouts. 15 de Agosto de 2017. Lance Wallnau faz distinção entre o chamado quantitativo da igreja, que estaria relacionado à salvação de almas apenas, e o chamado qualitativo, que seria o “discipular as nações”, trazendo transformação social por meio de uma atuação profética. Cf.: Lance Wallnau Explains the Seven Mountains Mandate. 16 de julho de 2009.

35^ Bill Johnson: Quando o Céu Invade a Terra. p. 31.

36^ William Kay: Apostolic Networks in Britain. Paternoster, 2007. p. 20. Citado em: Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. Oxford University Press: 2017, p. 46.

37^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 1–18. No original em inglês, o conceito é Independent Network Charismatic Churches (INC Churches). O conceito INC traz a imagem da abreviação de Incorporated (como o S.A. de Sociedade Anônima) visando ressaltar o uso da linguagem e estrutura empresarial por estas igrejas, como também o fato de que seu sustento advém em maior parte de eventos e produtos que dos dízimos e ofertas, como nas igrejas mais tradicionais.

38^ Este parágrafo é um resumo do que pode ser encontrado em Stig Hjarvard: Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Matrizes, vol. 5, núm. 2, Janeiro-Junho. 2012, p. 53–91.

39^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 15.

40^ Stig Hjarvard: Mediatization and Cultural and Social Change. Em: Knut Lundby (org.): The Mediatization of Communication. De Gruyter, 2014. p. 203–204.

41^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 42.

42^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 16.

43^ Stig Hjarvard: The Mediatization of Culture and Society. Routledge, 2013. p. 80.

44^ Matheus H. F. Pereira e Valdir Lopes de Araújo: Reconfigurações do Tempo Histórico — Presentismo, Atualismo e Solidão na Modernidade Digital. Rev. UFMG, Belo Horizonte, v. 23, n. 1 e 2, p. 290–291, jan./dez. 2016.

45^ Mia Lövheim: Mediatization and Religion. Em: Knut Lundby (org.): The Mediatization of Communication. De Gruyter, 2014. p. 560.

46^ Stig Hjarvard: The Mediatization of Culture and Society. p. 79.

47^ Brian Johnson: Spontaneous vs. Prophetic Worship. WorshipU, 2014.

48^ Bill Johnson: Quando o Céu Invade a Terra. p. 61.

49^ Tiago Brunet: 15 Pontos. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

50^ UPPERROOM: Why “Spontaneous” Worship?. Maio de 2017. No vídeo, há também a tese de que todas as vezes em que a expressão “novo cântico” aparece no Antigo Testamento ocorre um movimento idêntico ao de “cânticos espirituais” no Novo Testamento. Estes momentos são a mudança de atmosfera para um “ambiente profético”.

51^ Brian Johnson: Spontaneous vs. Prophetic Worship. WorshipU, 2014.

52^ Brian Johnson: Spontaneous vs. Prophetic Worship, e UPPERROOM: Why “Spontaneous” Worship?.

53^ Dan McCollam: Bethel School of Prophets — Session 2. 7 de Agosto de 2018.

54^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 64, 87, 139.

55^ Lou Engle: The Send — Vision Day. Agosto de 2019.

56^ James K. A. Smith: Introducing Radical Orthodoxy — Mapping a Post-Secular Theology. Baker Academic, 2004. p. 85.

57^ Tiago Brunet: O Padrão. Em: Desenhando a Igreja do Futuro. Instituto Destiny, Outubro de 2019.

58^ Johnny Enlow: O Deus do Arco-Íris. Em: Conferência Voz de Sião, 26 de Outubro de 2018. Enlow descreve esta perspectiva de uma estratégia para 2050 no livro O Renascimento dos Sete Montes — Visão e Estratégia Até 2050. Editora Chara, 2018.

59^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 2, 126, 166. Embora a referência à faixa etária de evasão esteja relacionada ao contexto americano, a estatística é importante para lançar luz sobre o que Christerson e Flory chamam de “ciclo produtivo” destas igrejas.

60^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 108, 129, 132, 145.

61^ Tiago Brunet: O Coaching Ministerial. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

62^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p. 88, 151, 166.

63^ Charles Taylor: The Ethics of Authenticity. Harvard University Press, 1991. p. 4.

64^ Roberts Liardon: God’s Generals — Why They Succeeded and Why Some Failed. Albury Publishing, 1996. p. 17 [Em português: Os Generais de Deus — Porque Tiveram Sucesso e Alguns Falharam. Bello Publicações, 1996].

65^ Tiago Brunet: O Coaching Ministerial. Em: Desenhando a Igreja do Futuro, Instituto Destiny, Outubro de 2019.

66^ Kenneth J. Stewart: In Search of Ancient Roots — The Christian Past and the Evangelical Identity Crisis. IVP Academic, 2017. p. 3–4, 104.

67^ Charles Taylor: The Ethics of Authenticity. p. 41.

68^ Cf. George Marsden: Fundamentalism and American Culture. Oxford University Press, 2006. p. 81.

69^ Johnny Enlow: O Deus do Arco-Íris. Em: Conferência Voz de Sião, 26 de Outubro de 2018.

70^ George Marsden: Fundamentalism and American Culture. p. 71.

71^ Brad Christerson e Richard Flory: The Rise of Network Christianity. p.137–139.

72^ Cf. George Marsden: Fundamentalism and American Culture. p. 83–85, 131, 210–226; e Mark Noll: The Scandal of the Evangelical Mind. Eerdmans, 1994. Caps. 5–6.

73^ Os Hillman e Kelle Hughes: Transcript of Interview of Loren Cunningham on Original 7 Mountains Vision. 19 de Novembro de 2007.

74^ Téo Hayashi e Henrique Krigner: Quem Vai Assumir Esse País?. Em: Dunamis Hangouts. Julho de 2018.

75^ Téo Hayashi, Victor Azevedo e Eduardo Nunes: Como Trazer o Céu para Terra?. Em: Dunamis Hangouts. Junho de 2019.

76^ Téo Hayashi e Henrique Krigner: Quem Vai Assumir Esse País?. Em: Dunamis Hangouts. Julho de 2018.

77^ Veja Cindy Jacobs declarar apoio a Jair Bolsonaro usando o mesmo argumento de Lance Wallnau sobre Donald Trump: Deus estaria levantando um “Ciro” (cf. Isaías 45:1–6) para a nação — um governante imperfeito, mas “influenciado” por Deus.

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Leonardo Cruz
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Written by Leonardo Cruz

Cristão, Presbiteriano, mestrando em História - UFF; voluntário na Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²).

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