Feminização do louvor?
Assim que comecei a escrever sobre adoração contemporânea aqui no Medium, algumas pessoas me falaram a respeito da importância de escrever sobre a feminização do culto, tendo em vista o crescimento da “geração worship” e o sentimentalismo atualmente dominante na adoração, supostamente atrelados à maior presença feminina nesse setor da igreja.
A ideia de feminização da igreja surge na sociologia americana, nos anos 1970. Dentre os sentidos em que o termo foi aplicado, dois se destacam mais: primeiramente, a percepção do crescimento do público feminino nas igrejas e, junto a esse fenômeno, a alteração das estruturas eclesiásticas, resultante de uma maior presença feminina nesse setor da igreja.
O conceito foi recorrentemente utilizado por teólogos na virada para o século XXI, e há quem o utilize atualmente para criticar a adoração. No entanto, há pelo menos três problemas na ideia de feminização do culto:
- É comum ouvir que a “geração worship” seria a culpada pelo sentimentalismo no louvor. Partindo desse pressuposto, considera-se que a alta visibilidade de lideranças femininas atualmente na música gospel contribuiria para que “letras melosas”, de natureza essencialmente feminina, dominassem o culto. Contudo, esse movimento por um louvor mais “intimista” é perceptível desde o 2º Grande Avivamento, no século XVIII, muito distante do período que é considerado como gênese da chamada “geração worship”.
- Muito se enxerga as influências, consideradas más, de feminismo e marxismo como criadoras dos movimentos que levaram mulheres às posições de liderança e instigaram mudanças conceituais na teologia e no modelo de culto. Mas os reais provocadores de tais mudanças foram os embates teológicos internos do cristianismo ocorridos no início do século XIX (especialmente o fundamentalismo), antes mesmo da difusão global do feminismo e do marxismo. Também é necessário considerar que o dito “sentimentalismo” foi utilizado como uma resposta ao secularismo.
- Embora esteja claro nas Escrituras que existem diferenças entre homens e mulheres, o conceito de feminização pressupõe que algumas características evidentemente culturais seriam inatas a homens, e outras, a mulheres: o louvor “racional/doutrinário” seria algo masculino, e o louvor “sentimental/sensorial”, feminino. Essa ideia ignora que historicamente a maioria dos compositores é homem, e ambas as tendências supostamente consideradas como características intrínsecas de cada gênero estão presentes na história do cristianismo, sem que haja essa distinção entre elementos de louvor masculinos e femininos.
Assim, quando se defende o conceito de feminização do louvor, não só se divulga uma análise equivocada da História, mas também um conceito pobre dos papéis de homem e mulher no culto.
Referências:
Patrick Pasture. Beyond the Feminization Thesis: Gendering the History of Christianity in the Nineteenth and Twentieth Centuries.
Edith L. Blumhofer; Mark A. Noll (Orgs.). Sing Them Over to Me Again: Hymns and Hymnbooks in America.