Mas você não votou em Fulano?

As eleições e o ofício profético da igreja

Leonardo Cruz
3 min readOct 7, 2018

É muito provável que, entre a posse do candidato eleito em outubro e o fim do mandato, independente de quem seja, certamente alguém dirá (se as coisas desandarem): “Por que você está reclamando da situação? Você não votou em Fulano?”. Quando isso acontecer, lembre-se de que voto não é carta branca, nem aliança de casamento. O seu voto não lhe impede de criticar seu candidato — aliás, como se espera em toda democracia, presume-se que você acompanhe e avalie o trabalho de quem votou. Criticar seu candidato não é hipocrisia, é responsabilidade.

Se você for cristão, assim como eu, você tem um motivo forte para isso. Lembre-se de Natã. Ele era profeta da corte de Davi — e provavelmente, também da corte de Salomão (1 Reis 1: 32–34). Natã é conhecido por ter denunciado o adultério de Davi (2 Samuel 12:1–13). Mas é outro episódio que quero destacar.

Natã e Davi conversavam, certo dia, caminhando pelo palácio em Jerusalém. Então, Davi manifesta a Natã o desejo de construir uma casa para a Arca da Aliança — um templo. Natã, então, encoraja Davi em seu projeto, com um sonoro “Deus está contigo!”. Entretanto, à noite, Deus repreende Natã, dizendo que não era parte de Seus planos que Davi construísse um templo, e ordena que Natã vá entregar a mensagem correta a Davi. Essa história é narrada no capítulo 17 de 1 Crônicas.

Eugène Siberdt — O Profeta Natã Repreende o Rei Davi (séc. 19)

Natã vivia na corte real, desfrutava dos privilégios do palácio, tinha acesso ao rei, mas isso não impediu que ele denunciasse o adultério de Davi, nem que se retratasse quando disse o que Deus não disse. Em suma: eu e você, apesar de nosso candidato ter sido eleito, apesar de termos acesso privilegiado a ele, e apesar de, eventualmente, desfrutarmos de privilégios por conta de determinações daquele que governa, temos a obrigação de exercer o papel profético da igreja — ou seja, de apontar os erros daqueles que nos governam. A denúncia de Natã a Davi não faz dele um hipócrita. Quando Jeremias anunciou a dominação estrangeira sobre Israel (Jeremias 1) ele não foi antipatriota. Quando Isaías denunciou que o culto judaico era usado para perpetuação da injustiça (Isaías 1), ele não estava subvertendo a religião. Todos demonstraram que, acima do rei, sua lealdade pertence ao Senhor.

A Bíblia tem inúmeros relatos sobre as terríveis consequências de usar o nome de Deus para favorecimentos políticos (apenas dois exemplos: Balaão — Números 36: 1–16; Geazi — 2 Reis 5:5, 20–27). E quando algum político usa o nome de Deus em seu favor, nossa obrigação se faz ainda maior (2 Crônicas 18:12,13).

Lembremo-nos: “Mais importa servir a Deus do que aos homens” (Atos 5.29)

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Leonardo Cruz
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Written by Leonardo Cruz

Cristão, Presbiteriano, mestrando em História - UFF; voluntário na Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²).

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