Os problemas do capitalismo cristão

Por que essa ideia não é “bíblica”?

Leonardo Cruz
3 min readMar 2, 2021

O teólogo Wayne Grudem é conhecido por defender uma associação entre liberalismo e cristianismo em seus livros. Ele afirma que o livre mercado é o melhor sistema econômico, com base numa série de versículos bíblicos e evidências históricas de que ele “funciona” e leva ao progresso da humanidade.

Contudo, isso não é novidade. Dinheiro, propriedade e liberdade são parte central do discurso sobre ética cristã entre evangélicos dos EUA desde a independência, levando ao crescimento da igreja baseado numa “adaptação a valores de mercado”. Isso culminou, a partir do fundamentalismo século 19, na criação de uma teoria do Capitalismo Cristão, gerando uma luta anti-comunista de patriotismo americano-capitalista-cristão. Essa ideia foi defendida por vários grupos — principalmente os calvinistas. Por conta da adesão de cristãos a valores da classe média americana, diversas ênfases do Capitalismo Cristão se espalharam mundo afora por livros (como o caso de Grudem) e missões.

Ao pensar Economia a partir da Fé, essa visão ganha reforço da interpretação canônica da Economia: Adam Smith teria inaugurado a Economia como ciência, e aquilo que o antecipa é “pré-Smith” (num sentido quase profético), o que diverge é “heterodoxia”. Apesar de sua persistência, esta ideia tem sido criticada por ver o liberalismo como uma “Lei Natural”, e não como uma teoria econômica forjada por debates e fatores culturais (veja as sugestões de leitura).

O erro que destaco aqui é procurar “base bíblica” para defender um pacote ideológico, por meio de textos prova que mostrem como uma determinada maneira de ver política e economia é “bíblica” e outra não. Isso é problemático por duas razões:

  1. É um erro de interpretação porque presume que autores bíblicos usaram os conceitos de dinheiro, liberdade e propriedade (como também governo e Estado) da mesma forma que nós hoje — e, assim, seria “ordem de Deus” que ser cristão é adotar a ideologia X.
  2. Isso resulta em dois erros históricos. Além do anacronismo que vem do erro 1, também acontece o esquecimento da contribuição de todos aqueles que eram reconhecidamente cristãos, mas com ideias conflitantes com o liberalismo.

Referências

George Marsden: Fundamentalism and American Culture. Oxford University Press, 2006.

Mark A. Noll (org.): God and Mammon — Protestants, Money and the Market (1790–1860). Oxford University Press, 2001.

Wayne Grudem: Política Segundo a Bíblia. Vida Nova, 2014.

Wayner Grudem e Barry Asmus: A Riqueza das Nações. Vida Nova, 2016.

Wayne Grudem e Barry Asmus: Economia e Política na Cosmovisão Cristã. Vida Nova, 2016.

Leitura Sugerida

Albert O. Hirschman: As Paixões e os Interesses. Record, 2002.

Bob Goudzwaard: Capitalismo e Progresso. Ultimato, 2019.

Ellen Wood: The Origin of Capitalism — A Longer View. Verso, 2016.

Germano Maifreda: From Oikonomia to Political Economy. Ashgate, 2012.

Giacomo Toddeschini: Franciscan Wealth — From Voluntary Poverty to Market Society. Franciscan Institue Publishing, 2009.

Quentin Skinner: As Fundações do Pensamento Político Moderno. Companhia das Letras, 1996.

Quentin Skinner: Liberdade Antes do Liberalismo. Unesp, 2001.

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Leonardo Cruz
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Written by Leonardo Cruz

Cristão, Presbiteriano, mestrando em História - UFF; voluntário na Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²).

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